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Demagogia

Na fase emergencial vermelha que vigora no estado de São Paulo, o acesso às praias e aos parques está proibido em todo o estado. Em Ilhabela, o decreto municipal 8.499 reforça essa proibição.

Por isso, fica difícil entender porque tanta gente e mesmo o conselho municipal de turismo e a associação comercial da cidade se incomodaram com os vereadores que solicitaram ao poder executivo medidas para efetivar essas proibições, anteriormente determinadas tanto em nível estadual quanto municipal. Afinal, elas existiam muito antes dos vereadores manifestarem preocupação com a sua obediência.

Foram vistos como demagogos, atuando de forma eleitoreira, quando, no exercício de seu dever legislativo, agiam sim em função de salvaguardar a saúde pública.

O resultado das ações de controle da pandemia do coronavírus que ora estão sendo tomadas no Litoral Norte para esse mega feriado até o dia 4 de abril decretado na capital e nas cidades da grande São Paulo só poderá ser avaliado daqui a alguns dias, a partir da análise da ocupação dos hospitais da região, do número de contaminados e mortos por coronavírus e numa contabilidade macabra, do número de mortos por falta de atendimento médico caso haja carência de leito hospitalar.

É certo que o Litoral Sul endureceu restrições à circulação de moradores e turistas. O que não aconteceu na mesma amplitude, no Litoral Norte e por isso é capaz dos turistas negacionistas e em negação que se dirigiam originalmente ao Litoral Sul, venham para cá fazendo a felicidade dalguns empresários e comerciantes que só advogam em nome da economia acima de tudo e de todos e por cima de deus e do diabo também.

Hoje o presidente da república se tornou boneco de malhação de Judas. Banqueiros, especuladores financeiros, donos de indústria, políticos situacionistas, a nata da sociedade que o elegeu até há pouco o paparicando e que brilha nos meios de comunicação e nas redes sociais, sem papas na língua agora o acusa, o ameaça e lhe cobra atitude de estadista, atitude essa, incompatível a sua estatura.

Fato é o que presidente eleito jamais escondeu a que veio e quem era. Seu discurso sempre foi incitador do ódio, do achincalhamento dos  diferentes, da perseguição dos petistas, dos comunistas – como se eles ainda existissem depois da queda do muro de Berlim, do acossamento dos cientistas, artistas, intelectuais, ambientalistas, políticos de oposição, jornalistas, educadores numa verdadeira caça às bruxas macarthista que mediocrizou todo o aparelho de governança federal, ao dele substituir a competência pela mais completa inaptidão, dando ensejo a tresloucadas ações em todos as esferas da vida pública que transformaram o Brasil em tempo recorde num pária entre as nações para o exultante orgulho do chanceler Ernesto Araújo de quem tantos pediram a cabeça.

No drama da pandemia do coronavírus o país já passou das trezentas mil mortes e poderá ultrapassar a marca das quinhentas mil de acordo com a previsão de renomados cientistas. É incontestável o seu fragoroso fracasso no combate a essa doença que tem sido exitoso em outros países, inclusive, no Estados Unidos após a saída de Trump.

Todavia a responsabilidade desse insucesso não pode ser creditado exclusivamente ao presidente sociopata eleito com mais de cinquenta e sete milhões de votos, uma vez que governadores e prefeitos sempre tiveram condições de tomar eles mesmos medidas com potencial de controlar a pandemia em seus territórios fazendo, por exemplo, campanhas massivas de esclarecimento dirigidas à população, distribuindo máscaras pff-2, fiscalizando com rigor a aplicação dos protocolos de higiene nos comércios e repartições públicas, estimulando o isolamento social, dispersando aglomerações de pessoas, investindo em recursos materiais e humanos para a saúde, ofertando auxílio aos vulneráveis, amparando empresários e comerciantes em situação de risco, entre algumas das políticas municipais recomendadas por organizações de saúde, médicos e economistas.

Nesse sentido, o histórico das cidades dos Litoral Norte não é muito exemplar pois tem vários momentos de enfrentamento contra as medidas decretadas pelo estado de São Paulo na sadia intenção de reforçar o controle da pandemia. O exemplo mais notável dessa postura de confrontação aconteceu no reveillon, quando todas as quatro cidades desrespeitaram a fase vermelha.

 

 

No dia 30 de dezembro de 2020, boletim informativo do coronavírus em São Sebastião registrava 3.010 casos e 57 mortes. Hoje, dia 25 de março,  o registro é de 7.022 contaminados e 91 mortes.

No espaço de menos de três meses, o número de casos mais que dobrou e o de mortes aumentou em 34, o total de Ilhabela.

Seria perfeitamente justificável que os políticos da cidade se indignassem com essa tétrica realidade que arrasa o lugar em que vivem e seria compreensível e aceitável o seu inconformismo.

O que é assustador, inaceitável, sob escrutínio de juízo idôneo, é o compartilhamento público de uma forte irritação corporificada num festival de xingamentos protagonizado pela autoridade máxima do executivo municipal na presença de subordinados contra o jornalista Helton Romano, colaborador do Nova Imprensa. O conteúdo dessa live desabrida desrespeitou São Sebastião e ofendeu o jornalismo do Litoral Norte.

Esse vídeo ficará na lembrança como registro do descontrole dum mandatário do qual se esperava prudência, serenidade e sangue frio nessa tão grave hora de falta de recursos hospitalares da cidade que governa ao ponto de não poder ser hospitalizado quem necessitar de intubação na UTI respiratória.

A notícia assinada por Helton Romano objeto do estridente repúdio registrado em filme de coléricos insultos foi também veiculada em matéria de outro veículo de imprensa, esse, muitíssimo maior, a saber, no G1 Vale do Paraíba e região. Além de apontar em negrito que a barreira sanitária “não barrou a entrada deles na cidade como havia informado o prefeito Felipe Augusto (PSDB)“, escreveu que ” para especialistas, o teste rápido não é o ideal para esse tipo de iniciativa. Infectologistas afirmam que o teste rápido serve para inquérito sorológico e não diagnóstico.” Reportagem anterior do mesmo noticioso a respeito do assunto, reforçava ainda mais a ideia da ineficiência dessa barreira sanitária montada pela prefeitura que, nas palavras do infectologista e membro do comitê de enfrentamento da Covid-19 no estado de São Paulo, Carlos Fortaleza, seria “uma pirotecnia cara e de pouco impacto sanitário. É feita para inglês ver. Tecnicamente falando, não há eficácia nenhuma em aplicar um teste como esse para minimizar a transmissão. O investimento deveria ser revertido em medidas para fechar as praias, por exemplo.”

A diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Pierpaolo Cruz Bottini, coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil disseram em texto manifesto acerca dos impropérios de Bolsonaro aos jornalistas:

Quando um governante mobiliza parte significativa da população para agredir jornalistas e veículos, abala um dos pilares da democracia, a existência de uma imprensa livre e crítica.”

Imprensa Livre era o nome sempre recordado com saudades do único jornal impresso diário que o Litoral Norte teve. O Nova Imprensa nasceu para dar continuidade ao seu trabalho profissional, trabalho esse em tudo diferente daquele que, infelizmente, tantos jornalecos distribuídos gratuitamente pela região não fazem ao venderem a sua independência por anúncio institucional de página inteira ao preço de não prestarem depois nem para embrulhar peixe fresco pelo risco de o estragarem.

A imprensa responsável é imprescindível para informar adequadamente a população que, desgraçadamente, vem se alimentando de notícia mal fundamentada, de notícia falsa plantada nas bolhas das redes sociais para criar preconceito, para estimular desavenças, para banalizar a maldade; tudo isso convergindo para destruir a sanidade e a saúde da sociedade.

O código de ética do jornalismo brasileiro em seu capítulo II, artigo sexto, dos deveres do jornalista, elenca como o primeiro deles:

“opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.”

De demagogos não podem ser acusados os vereadores de Ilhabela que manifestaram o desejo de que houvesse uma efetiva interdição de acesso às praias e cachoeiras da cidade como lei estadual e municipal claramente determinam. Contra essa interdição decretada em duas diferentes instâncias, objetaram moradores despudorados com o argumento imbecil de que isso impediria o banho de sol, como se o sol só marcasse sua presença nas praias e nas cachoeiras e não nas janelas e nos jardins e quintais das casas.

Demagogo, nos informa o dicionário e nos ensina o cinema, é o político populista que discursa aos berros cuspindo perdigotos a torto e direito de maneira caricatural enquanto dispara feito metralhadora giratória, palavrões que a boa educação condenaria. Essa performance exerceu e exerce grande poder de atração no eleitorado que enxerga nisso exemplo de autenticidade, de sinceridade, de virilidade, quando ela não passa, na maior parte das vezes, dum teatro de manipulação da realidade a serviço da construção de narrativas dissociadas da verdade.

 

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