POR AÍ – A culinária caiçara e o canibalismo

A culinária caiçara é apreciada pelos mais refinados paladares e influencia, hoje, cozinhas de restaurantes renomados, à exemplo da chef de cozinha ilhabelense Renata Vanzeto, que ganhou o Brasil com suas receitas inspiradas em muitos ingredientes nativos, como frutos do mar. Mas o que pulsa na culinária caiçara é o sangue ancestral.

A origem de pratos tradicionais como a moqueca, caldeirada, peixe com banana verde (azul marinho), lambe-lambe de marisco e o peixe assado remontam aos índios e outras influências que passam pela Europa, África e Ásia e até mesmo por tribos canibais.

Segundo historiadores, a maneira como o peixe assado é preparado em terras caiçaras tem tudo a ver com o canibalismo. No Litoral Norte, os Tupis utilizavam um método artesanal chamado ‘moquém’ para assar suas vítimas nos rituais religiosos. Assim como hoje fazemos com os peixes, eles envolviam a pessoa em folhas de plantas e assavam na brasa. O moquém é feito a partir de uma fogueira dentro de um buraco na areia, com pedras ao redor para apoiar o alimento ou a grelha, como ainda é comum nos dias de hoje.

Uma carta do Padre Luís de Grã, datada de 1554, fala sobre a prática. “Índios brasileiros se valiam do moquém quando se dispunham a comer alguma carne humana e as assavam em enormes labaredas”, diz o documento.

Segundo informações do extinto Museu Náutico de Ilhabela, o canibalismo nas terras ilhéus era simbólico, feito dentro de um universo místico, e não para simples alimentação. A prática durou até meados do século 17. Com a chegada dos europeus, que ficavam horrorizados com tal hábito, o costume foi se extinguindo e o moquém passou a ser usado para assar carnes mais convencionais.

A catequização dos indígenas também contribuiu muito para o fim da antropofagia no litoral e em vez de envolver seres humanos em folhas de bananeira para serem assados, os nativos passaram a usar os peixes e prepará-los em fogueiras na areia, do mesmo modo que faziam com a carne humana.

Ubatuba

Um episódio conhecido de tentativa de canibalismo aconteceu na cidade de Ubatuba, quando o alemão Hans Staden foi capturado pelos tupinambás e ficou quase um ano, em 1554, no regime de engorda para ser abatido e comido. Porém, não se sabe exatamente por qual motivo, acabou poupado pela tribo e não ardeu no moquém.

Prisioneiro dos índios, ele presenciou diversos rituais antropofágicos e fez um dos maiores relatos da história sobre a prática no Brasil. O livro  “Duas viagens ao Brasil” foi ilustrado pelo belga Théodore de Bry e teve diversas versões edições pelo mundo.

Hoje o hábito mais próximo do canibalismo acontece entre os ianomâmis. Eles conservam o ritual de comer cinzas de cadáveres, como forma de homenagear amigos mortos.

Nutrição

O segredo da culinária caiçara é a união de raízes, frutas e vegetais com peixes e frutos do mar sempre fresquinhos. Essa ligação de ingredientes resulta em um sabor peculiar e refrescante, mas sempre com muito vigor, já que tanto os índios, como os caiçaras têm trabalhos pesados, no mar e na terra, e precisam de muita vitamina e proteína.

Essa é a base da maioria dos pratos, da moqueca à farinha de mandioca, que é considerada o pão dos caiçaras e acompanha quase todas as refeições. Apesar da substancialidade dos pratos, os ingredientes utilizados também garantem sempre uma boa digestão, tudo muito nutritivo, mas nada pesado.

Receita

Outra parte boa da culinária caiçara é a praticidade! Para preparar o peixe assado tradicional basta escolher um bom pescado e temperar com alho, sal, pimenta e limão. Os peixes mais utilizados para essa receita em Ilhabela é a tainha ou a anchova. Também pode ser acrescentado um pouco de mel, outra tradição indígena que deixa a receita mais adocicada.

Depois de temperar, é preciso envolver o peixe em uma folha de bananeira (outras folhas também podem ser usadas, como a couve) e colocar sobre a brasa.  O cozimento leva em média 40 minutos e varia de acordo com o tamanho do peixe.

Para completar a refeição típica, o prato pode ser acompanhado da tradicional farinha de mandioca ou do beiju, farofa, batata doce (que pode ser assada na mesma brasa), pirão de peixe, legumes e até frutas!

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