Médico de Caraguá fala da experiência na UTI com Covid-19: “tive medo de morrer”

Em entrevista exclusiva ao jornal Nova Imprensa, o médico pediatra Romário Miranda Pacheco Filho, de 47 anos, contou que teve medo de morrer durante sua passagem pela UTI da Casa de Saúde Stella Maris, em Caraguatatuba. Ele ficou três dias internado com quadro grave de coronavírus (Covid-19) e teve alta na última terça-feira (14). Ele segue isolado em casa, sem ver família e amigos.

O paciente conta que os primeiros sintomas apareceram dia 4 de abril, um sábado: congestão nasal, perda total do paladar e febre. A tosse apareceu depois. Neste mesmo dia esteve no hospital e na tomografia apareceu uma lesão no pulmão.

No sábado seguinte (11), ele voltou ao hospital, pois a febre não baixava mesmo tomando os medicamentos. Fez nova tomografia e apresentou piora na lesão, com o quadro clínico realizou o exame de sangue (PCR) e deu positivo para Covid-19. Em apenas sete dias e mesmo medicado, a doença evoluiu e o médico acabou internado na UTI.

“Estou muito aliviado de estar em casa; com o diagnóstico de coronavirus, não importa se internados na UTI ou no quarto, ficamos completamente isolados, sem poder receber qualquer tipo de visita. Isso deixa o paciente psicologicamente abalado pois se trata de uma doença grave, não é tão simples quanto parece”.

O Dr. Romário enfatiza que se trata de uma doença imprevisível. “Você não sabe como ela vai reagir no seu organismo, pode piorar de uma hora para outra, nunca se sabe como estará no outro dia. E dentro do hospital a gente fica com receio de dormir bem e no outro dia amanhecer entubado. Em casa, estou mais tranquilo, na fase final da doença o risco de dar uma complicação é quase inexistente, graças a Deus”.

Apesar do sofrimento físico, seu maior desafio foi emocional: “O fato de ser médico me ajudou a ter uma visão um pouco mais fria pois estamos acostumados a lidar com doenças. Mas por outro lado acabamos tendo mais consciência da gravidade. Temos uma noção maior das complicações e de quão imprevisível é a doença. Eu fiquei em uma UTI que só tinha pacientes com coronavirus, e era o único que não estava entubado; isto me gerou uma certa ansiedade. Eu fiquei apreensivo pelo isolamento e tive medo de morrer, foi pesado, uma barra”, confessa.

“Muitas coisas passam pela cabeça durante a internação e contar com o carinho e atenção dos funcionários da Casa de Saúde Stella Maris fez toda a diferença. Eu fui muito bem tratado pelos médicos, enfermagem, pessoal da limpeza. Quando me mudei para Caraguá, há 20 anos, comecei minha vida profissional na Santa Casa, então pude reencontrar alguns velhos conhecidos e mesmo os que não me conheciam me trataram muito bem, com muito carinho. Só tenho a agradecer as irmãs e todas as pessoas que cuidaram de mim”, contou emocionado.

O pediatra explica essa imprevisibilidade do vírus. “O comportamento dessa doença é muito imprevisível, em uma pessoa jovem e que tenha uma constituição boa, sem nenhuma outra doença de base, a Covid-19 também pode ter um comportamento ruim e a pessoa ficar em estado grave e até vir a óbito. Por outro lado, um idoso, que teria tudo para dar errado a doença, pode acabar evoluindo bem”.

O melhor, segundo ele, é não correr o risco de se contagiar, respeitar o isolamento social, evitar andar nas ruas e visitar pessoas. “Notei que estão relaxando nesta parte, de início estava mais rigoroso, hoje se vê gente fazendo exercícios na rua. Não vale a pena correr o risco de pegar o vírus, adquirir essa doença que é tão séria e grave. Não desejo nem para o meu pior inimigo o que passei. Daqui a pouco isso tudo vai passar, as coisas vão melhorar, mas só poderemos relaxar mesmo daqui a uns meses, quando a vacina estiver disponível”, calcula.

“Sair de uma doença como essa mudou muito a minha cabeça; tenho desejo hoje por coisas simples da vida, coisas que antes pareciam não ter muita importância. Hoje por exemplo, meu maior desejo é poder estar com a minha família”, diz o médico que ainda está isolado, “quero poder ter contato com meus filhos e minha esposa, poder abraçá-los e beijá-los, poder visitar meus parentes”.

Ele explica que evita contato até mesmo com os seus animais para não espalhar o vírus. “Hoje mudei minha maneira de ver e valorizar as coisas, como um simples churrasco em casa com a família, que me faz muita falta”, lamenta.

Ainda vai demorar um pouco para a sua vida voltar ao normal totalmente, então para Romário a lição que fica desta doença “é que devemos ter mais compaixão com o outro. Como médico, quando saí da UTI fiquei pensando nos pacientes que ficaram e que talvez eu nunca mais veja, e os que não tiveram a mesma sorte que eu. Essa doença faz com que sejamos mais solidários, passamos a pensar mais nas outras pessoas”.

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