FOTO EM FOCO: Ilhabela Comédia

Stand up é um gênero de comédia que faz sucesso nos Estados Unidos e aportou no Brasil sem tradução para o português. O comediante atua solitário no palco, sem cenário, encarando o público e se fatigando para desencadear o riso. Esse esforço muitas vezes resvala para grosseira ao fazer troça dos expectadores. Nos filmes americanos é comum ver esses comediantes no palco simplório de bares, boates, com as pessoas bebendo, comendo, conversando; fazendo pouco caso da representação deles.

A ilha pródiga de eventos para “atrair turista” inscreveu esse tipo de comédia no seu calendário: Ilhabela Comedy. Nessa grafia em inglês mesmo para dar um lustro pretensamente requintado na coisa agora que batemos continência aos gringos. E a agendou para acontecer justamente na Semana Santa quando o recomendável seria assistir encenações da Paixão de Cristo.

As fotos da coluna retratam os momentos finais do show de sábado, dia 20 de abril. Resultaram parecidas com fotos de um transe pois era o que se passava na frente da plateia. Vários comediantes juntos numa bagunça federal, gritando, pulando, gesticulando em frenesi. E aí, acabou. A derradeira foto foi a do Maloka no camarim, entrevisto pela fenda da lona.

Num vídeo na internet, ele presenteou Ilhabela com uma música paródia, segundo suas palavras. Cantou ao lado da esposa, que lhe fez coro com uma voz aguda e baixinha; faltou só o cãozinho que estava no colo dela ganir acompanhando a cantoria que era cômica.

Essa apresentação sequer havia sido contratada; saiu de graça para uma Ilhabela acostumada a até pagar centenas de milhares de reais por aluguel de estátua em praça pública. Foi pena que engraçada não a acharam muitos ilhabelenses. A julgaram um disparate; uma contra propaganda para Ilhabela.

Qual foi o pecado do Maloka? Cantar que pagou cinquenta contos por uma porção de camarão mais cinco pelo limão na praia do Julião?  A primeira incorreção está no preço: encontrar ali camarão por cinquenta nem se for meia porção. A segunda está em afirmar que Ilhabela é “a melhor praia do mundo”; com tanta bandeira vermelha flamejando nestas plagas é impossível acreditar nessa tolice.

Quem mora na ilha sabe muito bem que a vida por aqui é cara. Isso não tem graça alguma, mas como temos a insana capacidade de rir daquilo que nos molesta, vamos então rir do alto custo de vida. Só que rir não resolve. Para quem zela pela saúde das suas finanças, o que resolve é fazer suas compras no continente. E nem precisa comprar em atacadista; até no Pão de Açúcar lugar de rico feliz se paga muito menos do que nos mercados populares de Ilhabela. O combustível por lá é mais barato e existe uma variedade enorme de bons restaurantes com preços módicos e porções fartas.

Pois então a gente vê os banhistas de final de semana carregando geladeiras de isopor pelas praias daqui e entende. Carregam cadeiras e guarda-sóis para não precisar pagar pedágio naqueles dos bares da orla. E carregam coragem também para não terem medo dos maus modos de alguns donos de comércio praiano. Gente que bem gostaria de ter o poder que teve Bolsonaro de remover da TV uma propaganda do Banco do Brasil e ainda despedir o responsável que sequer havia terminado suas férias. Porque tinha jovens descolados de tudo quanto é raça dançando e falando com a incompreensível gíria deles e eles seguramente não se enquadraram no padrão de brasilidade do governo.

Tivessem alguns empresários ilhabelenses esse presidencial poder e as praias da cidade amanheceriam inteiramente vazias como Deus ou o Big Bang as fez, sem essa turistada de marmita que vem dormindo no ônibus da excursão que saiu do ABC para São Sebastião. Que atravessa a pé e bastante caminha levando suas tralhas até a praia do Perequê onde se esparrama cansada mas feliz. Pois sofrendo tanto para estar aqui podendo estar com muita mais facilidade nas praias do Litoral Sul, tem ainda de aturar cara feia de comerciante que acha que Ilhabela é lugar só para rico refinado?

Pois rico que é rico nem vem de carrão; se desloca de helicóptero ou lancha e nem na praia desce e sim na mansão da costeira. E jamais come porção de camarão de cativeiro congelado frito em óleo de soja velho queimado servido em bandejinha de papelão pagando cem reais.

Tem muito internauta insular se referindo a esses excursionistas madrugadores como “marmiteiros”, “farofeiros”, “pobrada” se esquecendo que antes de qualquer adjetivo pejorativo, são eles brasileiros e tão brasileiros quanto o são qualquer um dos membros da nobre família Orléans e Bragança ou da endinheirada família Safra. O dinheiro deles, pouco é certo, tem a mesma textura, a mesma cor e o mesmo odor do dinheiro desses outros citados de estirpe nobre ou abastada.

O que neles é superlativo é o seu amor por Ilhabela pelo enorme esforço que fazem para ficar aqui por umas míseras horas de final de tarde, antes de embarcar novamente em ônibus mal ajambrado para retornar as sua casas modestas da periferia da grande São Paulo. Nunca é demais lembrar: praia é pública; praia é de todos, ricos ou pobres, brancos, amarelos, negros ou pardos.

Voltando à história, em novo e bombástico vídeo, Maloka denunciou aos gritos que o valor do seu cachê não batia com o divulgado no contrato; havia uma diferença de mais de dez mil reais.

E então a comédia virou uma tragédia com gente demais achando que além de ser cara, Ilhabela paga também muito caro. Desdobramentos se sucedem: secretário da cultura intimado pela câmara municipal de Ilhabela a dar explicações; a câmara solicita a suspensão do pagamento à firma responsável pelo evento; a prefeitura suspende o pagamento; corre pedido de abertura de CPI …

Show de stand up essa trapalhada já não daria; mas que podia virar série da Netflix, sim isso podia e com várias temporadas: Ilhabela Comédia.

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