Ex-ministro tenta novamente construir condomínio de luxo na Baleia e é barrado

O grupo de empresas que deseja contruir um condomínio de luxo, avaliado em mais de R$ 6 milhões, na praia da Baleia, em São Sebastião, entrou com um novo pedido de autorização da Prefeitura. Apesar da obra estar embargada desde 2011 por se encontrar em área de preservação ambiental, as incorporadoras Sundays Participações Ltda e KPB Empreendimento Imobiliário SPE Ltda tentaram ressuscitar o projeto em dezembro de 2017.

O presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Guilherme Afif Domingos, é sócio das duas empresas. Ele também foi ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa do governo Dilma Rousseff, entre 2013 e 2015, e vice-governador do Estado de São Paulo entre 2011 e 2014.

Para evitar danos ao meio ambiente, o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), braço do Ministério Público do Estado de São Paulo no combate a crimes ambientais, instaurou na tarde dessa quarta-feira (21) um inquérito civil para investigar a nova tentativa das empresas. Com a investigação em andamento, todos os órgãos envolvidos no licenciamento da obra estão impedidos de emitir documentos ou qualquer parecer às construtoras.

O empreendimento, que está no entorno da APA (Área de Preservação Ambiental) Baleia/Sahy, prevê a construção de 50 unidades de alto padrão, com dois pavimentos erguidos sobre pilotis, com área de mais de 17 mil m² de área construída. Inicialmente a planta previa 70 residências.

Segundo o MP, a região possui dezenas de espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção e trata-se de um dos poucos locais com extenso fragmento florestal bem conservado, situado em Zona de Amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar. O Condomínio Praia da Baleia, de propriedade de Afif, possui área de 128.651,43 mil m² e se localiza em terreno alagadiço e sujeito a inundações.

Embargo

As obras do condomínio foram embargadas após ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, após denúncia da ONG. As empresas foram condenadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ocasião em que tiveram o licenciamento ambiental emitido pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e autorização concedida pelo Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo (Graprohab) anulados judicialmente.

Após as condenações, os réus ainda foram proibidos de executar qualquer intervenção na área e de demolir as edificações existentes (casa de caseiro e tanque de peixes). O processo judicial, que hoje está no Superior Tribunal de Justiça (STJ) após a defesa recorrer, foi movido após suspeitas de favorecimento político a Guilherme Afif, que à época ocupava o cargo de vice-governador.

A presidente do ICC, Fernanda Carbonelli, denunciou o suposto favorecimento e tratamento diferenciado ao ex-ministro no Ministério Público, que por sua vez, interpôs Ação de Improbidade Administrativa. “Chega a causar inquietação no espírito o tratamento diferenciado dado ao empreendimento de  Guilherme Afif Domingos, numa área em que oito empreendimentos foram indeferidos, sem as mesmas benesses do caso do ex-ministro”, disse o procurador José Carlos de Freitas, da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos.

Nova ação

O ICC solicitou a investigação ao Gaema para expedir recomendação ao Graprohab no processo de revalidação do empreendimento, para suspender qualquer decisão de autorização de construção, até a completa investigação na área, inclusive com solicitação de perícia, se necessário. A ação quer ainda que haja recomendação à Cetesb para que também suspenda qualquer emissão de autorização de supressão de vegetação no local.

A entidade ainda havia solitado ao Gaema que seja recomendado ao prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), que se abstenha de conceder alvará, revalidação ou nova aprovação do empreendimento até o final investigação.

A entidade tomou conhecimento da nova tentativa de aprovação do empreendimento em dezembro do ano passado. “As empresas requereram a renovação de licenças que foram anuladas judicialmente. Não se pode renovar atos que o Poder Judiciário declarou nulos. Eles agiram de má-fé, inovando sua saga e utilizando-se do mesmo ‘modos operandi’, pedindo a renovação do certificado perante o Graprohab, visando revalidar o certificado emitido em 2011, justamente o que havia sido anulado judicialmente”, explica a presidente do ICC, Fernanda Carbonelli.

Pedido “requentado” 

Segundo ela, as empresas utilizaram até mesmo trechos da sentença judicial de primeira instância, que determinou a apresentação do ciclo sazonal do Rio Negro (ou Rio Petro), para “requentar” a renovação do certificado do Graprohab e a licença ambiental (ambas anuladas judicialmente).

Ainda de acordo com a presidente, junto ao pedido, foi anexado um laudo de estudo hidrológico, que segundo ela, teria “teor duvidoso”, realizado apenas em período de estiagem, e há indícios que o registro do profissional que assina o documento não seria habilitado para realizar os cálculos. Além disso, o documento é subscrito por uma pessoa e apresentado por outra.

A prefeitura de São Sebastião também foi co-ré na primeira ação, por ter aprovado a obra na esfera municipal ao liberar o alvará em 29 de março de 2011. A ação do Gaema resultou no embargo das obras por meio de liminar concedida pela 1ª Vara de Justiça de São Sebastião e confirmada pelo Tribunal de Justiça. As obras continuam embargadas.

O empreendimento tem custo declarado no Cartório de Registro de Imóveis de São Sebastião (em 2005) de R$ 6,3 milhões. A Procuradoria investigou se houve possíveis favorecimentos na concessão do licenciamento ambiental concedido pela Cetesb ao condomínio, que em parecer anterior, havia indeferido o documento.

Instituto de Botânica

Ainda de acordo com Fernanda, em uma reunião realizada em abril de 2010 na Diretoria de Licenciamento e Gestão Ambiental da Cetesb, o próprio Afif, vice-governador na época, sugeriu pessoalmente a contratação do Instituto de Botânica para dirimir as dúvidas existentes, ocasião em que também foi decidida a realização de uma outra vistoria técnica. De acordo com a ação encaminhada à Procuradoria, o licenciamento ambiental inicialmente concedido pela Cetesb foi revertido com base no laudo pericial elaborado pelo órgão sugerido por Afif, o Instituto de Botânica. “Curiosamente, dos cerca de 10 condomínios embargados em situação semelhante ao empreendimento de Afif, nunca foi solicitado aos proprietários laudo do Instituto de Botânica”.

Licenciamento em 24 horas

Segundo a presidente do ICC, o Instituto de Botânica não teria competência definida dentro do processo de licenciamento e jamais teria se manifestado em processos similares. Além disso, o novo laudo teria sido emitido “em tempo recorde, em menos de 24 horas”. Segundo ela, outros sete condomínios foram embargados na Praia da Baleia e em nenhum dos casos a Cetesb solicitou laudo do Instituto de Botânica.

O processo de aprovação do empreendimento para edificação de condomínio residencial teve início em 2009. Por se tratar de um condomínio, teve que se submeter ao Graprohab, órgão colegiado constituído por representantes de diversos órgãos habitacionais e de infraestrutura, que delibera quanto à expedição de certificação de aprovação para empreendimentos submetidos à sua análise. O órgão também deverá ser responsabilizado na ação civil pública movida pelo Gaema, pois em parecer emitido, consta que o pedido “satisfaz aos requisitos técnicos e urbanísticos fixados pelas diretrizes municipais”. A Cetesb também é ré na ação do MP.

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